Dia mundial de atenção a doenças raras

O último dia de cada mês de fevereiro é considerado Dia Mundial e Nacional de Atenção a Doenças Raras. A data foi criada em 2008 pela Organização Europeia de Doenças Raras (Eurordis) para sensibilizar governantes, profissionais de saúde e população sobre a existência e os cuidados com essas doenças. O objetivo é levar conhecimento e buscar apoio aos pacientes, além do incentivo às pesquisas para melhorar o tratamento. No Brasil, a data foi instituída pela Lei nº 13.693/2018.

Mas… O que é ser raro?

Na área da saúde considera-se uma doença como rara aquela que aflige menos de 65 pessoas a cada 100.000 habitantes (ou seja, a cada 100.000 pessoas de um determinado local, 65 tem aquela doença). Se assumirmos que a grande São Paulo tem um pouco menos de 20 milhões de pessoas, imagina-se que cerca de 13.000 podem ter uma determinada doença raras. Para se ter uma ideia, a Doença de Parkinson compromete cerca de 200 a cada 100.000 habitantes, isso ao longo da vida, e as taxas de câncer chegam perto de 500 para cada 100.000 pessoas, mas isso de novos casos diagnosticados a cada ano! Por isso não é de se estranhar que a maioria de nós não conheça doenças como Angioedema, Dermatomiosite, Doença de Crohn, Doença de Wilson, Esclerose Múltipla, Fibrose Cística, Mucopolissacaridose, Neuromielite Óptica, Síndrome Hemolitico Uremica, entre muitas outras.

O fato de não se conhecer muito bem estas doenças faz com que muitas pessoas com sintomas específicos retardem por buscar ajuda. Além disso, por serem diagnósticos incomuns, muitos médicos também não os conhecem, afinal, somos treinados para os diagnósticos mais frequentes, como hipertensão, colesterol alto, diabetes, alergias, asma, entre muitos outros, com a intenção de termos ótimos médicos para a maioria dos problemas da maioria das pessoas. Uma vez escutei de um colega que “encontramos o que buscamos e buscamos aquilo que conhecemos”. Eu não conheço a neurologia toda, por exemplo, quanto mais a medicina como um todo, logo, até para um determinado especialista, certos diagnósticos não são fáceis.

O processo de diagnóstico de uma doença incomum começa com a busca de auxílio por resolução de um problema, o retorno com os resultados de exames mais corriqueiros dentro da normalidade e assim a suspeita por parte do médico ou paciente de algo mais incomum. Geralmente visita-se alguns especialistas e obtém-se uma série de exames antes de se chegar ao diagnóstico mais preciso, quando se chega, pois ainda existem pessoas acometidas de sintomas que não conseguimos identificar a causa objetiva nem com os mais modernos dos testes genéticos. Mas isso não significa que não se possa tratar, há situações em que há um tratamento específico, outras em que conseguimos sim aliviar os sintomas através de medicamentos ou técnicas de reabilitação. Como tudo, há sempre aqueles que escapam de nossa capacidade terapêutica, mesmo em pleno 2021, mas felizmente são um número cada vez menor de pessoas.

Sim, nem sempre é fácil, muito menos acessível. Como tudo que é raro, seja na natureza, no mercado ou na prateleira de um supermercado, o custo desta investigação, da realização destes exames e, especialmente, de alguns tratamentos, pode ser muito custoso. Não cabe a este texto discutir o porquê destes elevados custos, mas podemos resumir imaginando que um medicamento novo para colesterol, por exemplo, após seu processo de desenvolvimento, poderá será comercializado para quase 1 bilhão de pessoas no mundo, assim diluindo seu preço de venda, afinal, a empresa que desenvolveu o produto precisa ter seu custo de desenvolvimento ressarcido. Agora, imagine o custo final do desenvolvimento de um produto que beneficiará poucas pessoas em cada país? O denominador é muito menor para, talvez, um custo de desenvolvimento muito maior. Existem sim discussões entre empresas farmacêuticas e governos para tentar minimizar estes custos e aumentar o acesso a métodos diagnósticos e terapêuticos, e esperamos que no futuro tudo isso seja mais acessível. Mas esta explicação é importante para que cada um entenda que o médico é apenas a parte pensante desta equação, e não o responsável direto pelo desenvolvimento de novos medicamentos, quanto mais a decisão sobre seu acesso.

O número exato de doenças raras ainda não é preciso, ficando ao redor de sete a oito mil na literatura médica atual. 80% delas decorrem de fatores genéticos e os outros 20% estão distribuídos em causas ambientais, infecciosas e imunológicas e estima-se que 13 milhões de brasileiros convivam com alguma doença rara, o que certamente é um número subestimado frente a pessoas sem diagnóstico. Olhando desta forma, o conjunto de pessoas com um determinado diagnóstico pode ser raro, mas o número de pessoas convivendo com doenças raras não, trazendo a necessidade de olhar para aqueles sem diagnósticos específicos, promovendo não só os meios de diagnóstico e tratamento, mas também sua inclusão e participação social.

Para saber mais:

Muitos Somos Raros
Crônicos do Dia a Dia
LEI Nº 13.693
Eurordis
The Power Of Rare – Victoria Jackson

Sobre o autor:

Denis Bernardi Bichuetti
Currículo Lattes

Possui graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (2001), residência médica em Neurologia pela Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, (2006), doutorado em ciências pela Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, (2010), realizou Treinamento Especializado em Esclerose Múltipla no Centro de Esclerose Múltipla da Catalunha (Barcelona, Espanha)(2011) e MBA de Economia e Gestão em Saúde pela Faculdade Paulista de Ciências da Saúde (2019). Atuou como médico assistente e chefe de plantão do pronto socorro de neurologia do Hospital São Paulo/UNIFESP de 2007 a 2013 e atualmente é professor adjunto da Disciplina de Neurologia, Chefe do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia e assistente do setor de neuroimunologia e doenças desmielinizantes da Escola Paulista de Medicina, UNIFESP. É membro da Academia Brasileira de Neurologia, Academia Americana de Neurologia e Academia Europeia de Neurologia e faz parte do comitê científico da Guthy Jackson Charitable Foundation.

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